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English below.
Comida para segurar o céu:
Como promover a transição para um sistema agroalimentar justo para humanos e não humanos, que preserve a vida, equilibre o clima e mantenha a Amazônia em pé?
No livro “A queda do céu”, Davi Kopenawa, líder e xamã Yanomami nos conta que o céu já caiu sobre a Terra no início dos tempos, levando consigo uma primeira humanidade, os nossos ancestrais que foram convertendo-se em animais. Depois disso, desde o reinício dos tempos, os povos originários têm mantido a floresta em pé, enquanto seus xamãs mantêm o céu sobre a Terra. Mas agora, Kopenawa nos alerta que tudo está em perigo mais uma vez e o céu pode cair novamente a qualquer momento, pois entrará em colapso se a floresta, que é seu pilar, desaparecer. A ciência do homem branco, corroborando aquilo que indígenas há muito já sabem, descobriu recentemente, que isso pode acontecer em apenas 50 anos. Segundo cientistas, a Amazônia está se aproximando de um ponto de não retorno e corre o risco de se transformar em uma savana árida dentro de apenas meio século.
Podemos então pensar a profecia indígena da queda do céu como uma metáfora para o colapso da floresta amazônica e consequentemente do clima global do qual ela é um dos principais pilares.
Os principais mensageiros desse apocalipse anunciado são velhos conhecidos: a pecuária de escala industrial e a monocultura da soja, campeões nacionais do desmatamento ilegal, grilagem de terras públicas, invasão de territórios indígenas, ameaças a comunidades tradicionais e defensores ambientais. Seu modo de devastação não é segredo: primeiro invade-se a terra, depois vem a extração seletiva da madeira, e em seguida o fogo que consome o que restou da floresta em pé. E é nesse cenário de terra arrasada que se dá o plantio da soja ou do pasto. No caso do pasto, em dez anos as áreas serão completamente degradadas e abandonadas, e um novo ciclo de desmatamento se iniciará, num processo que já consumiu quase 20% da Amazônia, destruindo o habitat de centenas de espécies de plantas e animais, colocando muitos em risco de extinção.
Se engana quem pensa que pecuária e soja são duas indústrias distintas. Cerca de 79% da soja no mundo é destinada à ração que alimenta animais usados para alimentação humana, especialmente frangos, porcos e peixes, cuja produção em escala industrial apresenta uma série de graves problemas socioambientais. Além de se retroalimentarem essas duas indústrias trazem a reboque toda a cadeia destrutiva do agronegócio: empresas de agrotóxicos e fertilizantes que envenenam alimentos, solos, e águas; transgênicos e sementes estéreis de monopólio de grandes corporações; grandes fabricantes de máquinas e equipamentos rurais; distribuidores e exportadores de commodities; e frigoríficos e grandes processadores de carnes que abatem bilhões de animais e violam rotineiramente direitos ambientais e humanos.
A produção dessas commodities é dominada por um pequeno número de corporações controlam todas as etapas da cadeia através de sistemas de integração vertical, gerando imensa concentração e financeirização do sistema alimentar. Com a ajuda de governos, através de programas de subsídio e financiamento público como o Campeões Nacionais do BNDES, empresas como JBS e BRF, realizaram sucessivas fusões e incorporações, gerando dependência econômica em produtores, que passaram a ter poucas opções de venda e negociação. Por uma lado as corporações ditam os preços e por outro, através de contratos abusivos transferem para produtores a responsabilidade ambiental pelas externalidades geradas da produção.
Importante lembrar que 73% dos antimicrobianos do mundo são consumidos por animais usados pela pecuária, especialmente aqueles criados em confinamento, o que está causando uma epidemia de resistência a antibióticos. Se por uma lado a pecuária diminui a eficácia de medicamentos essenciais para populações humanas, por outro a criação de animais confinados está ligada ao surgimento de doenças zoonóticas, pois à medida que avança sobre a floresta, intensifica o contato entre animais “de fazenda”, animais silvestres e pessoas, criando novas rotas de transmissão de doenças.
As emissões diretas da agropecuária representam 28% do total de gases de efeito estufa do Brasil. Somadas às emissões dos demais setores do agro, a atividade rural responde por 72% das emissões no país. Já o desmatamento da Amazônia continua a liderar as emissões relacionadas à mudança do uso da terra, que representam 44% do total de emissões. Apesar da Política Nacional sobre Mudança do Clima, instituída em 2009 prever uma redução de 80% do desmatamento da Amazônia até 2020, as emissões deste setor cresceram 64% na última década, puxadas justamente pelo avanço das fronteiras agrícolas sobre a floresta.
Sistemas alimentares são, portanto, centrais na discussão sobre a preservação da Amazônia e consequentemente na manutenção do equilíbrio climático global. É a partir das bordas de nossos pratos que se expandem as fronteiras agrícolas que hoje avançam sobre a floresta ameaçando fazer o céu desabar. Mantê-lo sob nossas cabeças significa limitar o aquecimento a 1,5 ° C acima das temperaturas pré-industriais e requer não apenas a redução das emissões futuras mas também a remoção de carbono já presente da atmosfera. A estratégia mais eficiente para isso é a preservação e restauração de florestas nativas. Considerando que mais de 60% da área desmatada da Amazônia é usada para pastagens, a transição da produção de carne e grãos para ração em escala industrial para uma produção agroflorestal, justa e regenerativa de alimentos vegetais para consumo humano direto, apresenta um horizonte de esperança. Como afirmou Luiz Marques: “ou abandonamos a carne ou a esperança”.
Abandonar a carne, declarar moratória e um pico ou limite para sua produção, significa a possibilidade de transformar radicalmente a paisagem rural e o uso da terra, liberando parte das terras hoje usadas pela pecuária e produção grãos para ração animal para o restauro de florestas, revertendo o desmatamento, devolvendo o habitat de diversas espécies em risco de extinção, respeitando territórios indígenas, e cumprindo as metas climáticas. Significa sair de uma lógica de escassez para uma lógica de abundância, devolver a complexidade aos sistemas agroalimentares, diversificar a produção de alimentos, recuperar culturas alimentares ancestrais, garantir a segurança e soberania alimentar, criar oportunidades de emprego e renda justos e sustentáveis, promovendo hábitos alimentares que preservem a vida, a saúde e o lar das pessoas, animais e do planeta.
Sem a necessidade de criar e alimentar bilhões de animais para consumo, poderíamos aumentar a quantidade de calorias disponíveis para consumo humano produzidas em terras agrícolas já existentes, transformando o alimento novamente em bem comum e favorecendo o combate à fome, que voltou a assombrar milhões de brasileiros. Poderíamos talvez, seguindo um outro líder indígena, Ailton Krenak, contar outras histórias para “adiar o fim do mundo”, que desde 2020 parece estar sendo precipitado pela convergência e sinergia entre emergência climática, pandemia sanitária e pandemônio político, crises estruturais e existenciais que se reforçam mutuamente e que tem relação direta com as relações humano-animais.
Esse diálogo reunirá ativistas, cientistas, artistas, economistas, pensadores, pesquisadores, agricultores, líderes comunitários, representantes políticos, agentes da tecnologia e da agroecologia, para discutir como uma mudança de paradigma no nosso sistema agroalimentar pode ajudar a segurar o céu e adiar o fim do mundo.
Discutiremos os caminhos da transição para um sistema agroalimentar que favoreça a manutenção da vida, humana e não humana, a partir do conceito de justiça multiespécies, que desafia o antropocentrismo e excepcionalismo humano, e nos convida a imaginar maneiras pelas quais podemos acessar e levar em consideração os interesses dos animais e da natureza na busca por justiça social e ambiental.
Refletiremos juntos sobre como mobilizar produtores rurais que são hoje parte das cadeias de destruição do agronegócio para serem agentes da restauração da floresta e transição justa rumo a sistemas agroalimentares de base vegetal, saudáveis, sustentáveis e justos para todos.
Em outras palavras, como criar as condições estruturais e culturais para que os agricultores possam e queiram abandonar a produção de carne e grãos e fazer a transição de suas fazendas para a produção de alimentos vegetais para consumo humano por meio de práticas regenerativas?
Juntos tentaremos responder perguntas como: se a pecuária de escala industrial e a monocultura de grãos para ração animal, são os principais vetores de destruição da Amazônia, quais seriam os vetores para sua recuperação? Quais experiências podem nos servir de referência e horizonte? Que tipo de modelo de transição rural podemos construir no sul Global que possa irradiar do centro do mundo (Amazônia) para todos os cantos do planeta ? Quais práticas de produção de alimentos dos povos indígenas e tradicionais podem informar ou inspirar esse modelo de transição? Que tipo de imaginação e vontade política é necessária para criar as condições de possibilidade para tal transição? Que tipo de políticas alimentares, fiscais, tributárias, agrárias, financeiras podem favorecer uma economia agroalimentar da floresta em pé? Como garantir renda e empregos justos e sustentáveis a todas comunidades e trabalhadores que hoje dependem economicamente da agropecuária e seriam afetados por essa transição? Como fazer com que pequenos agricultores produzindo alimentos de origem vegetal através de práticas regenerativas sejam considerados os campeões nacionais e não grandes corporações que exploram a natureza, humanos e animais? Que tipo de ciência, tecnologias e inovações podem auxiliar no estabelecimento de um sistema agroalimentar focado em pessoas e não produtos, no bem viver coletivo e não no lucro individual?
Se o gado e a soja são, neste contexto, tecnologias de morte, que tipo de tecnologias de vida podemos fazer proliferar para enfrentá-los? Quais alianças precisamos forjar entre comunidades humanas e não humanas, entre tecnologias ancestrais e tecnologias modernas, entre a ciência ocidental e o conhecimento tradicional para promover a partir da Amazônia uma transição agroalimentar justa que não deixe ninguém para trás?
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Food to hold the sky:
How to promote the transition to an agrifood system fair for humans and non-humans, which preserves life, balances the climate and keeps the Amazon forest standing?
In the book “The falling sky”, Davi Kopenawa, leader and shaman of the Yanomami indigenous people from Brazil, tells us that the sky has already fallen on Earth in the beginning of times, taking with it our ancestors, the first humans, who became animals then. After this first fall, indigenous peoples have been keeping the forest standing, while their shamans have kept the sky above the Earth until now. But Kopenawa warns us that currently everything is in danger once again and the sky may fall another time if the forest, which is its pillar, disappears. The science of the white man, corroborating what indigenous people have long known, has recently discovered that this can happen in just 50 years. According to scientists, if business as usual continues, the Amazon will soon be reaching a point of no return and will be in danger of becoming an arid savanna within just half a century.
We can then think of the indigenous prophecy of the falling sky as a metaphor for the collapse of the Amazon rainforest and, consequently, of the global climate of which it is one of its main pillars.
The main messengers of this announced apocalypse are known: industrial scale livestock production and soy monoculture, national champions of illegal deforestation, land grabbing, invasion of indigenous territories, threats to traditional communities and environmental defenders. Their mode of devastation is no secret: first the land is invaded, then the selective extraction of wood proceeds, and at last comes the fire which consumes what remains of the standing forest. It is in this scorched landscape that the soybean or the pasture are planted. In the case of pasture, in ten years the areas will be completely degraded and abandoned, and a new cycle of deforestation will ensue, in a process that has already consumed almost 20% of the Amazon forest, destroying the habitat of hundreds of species of plants and animals, putting many at risk of extinction.
Anyone who thinks that livestock and soy are two different industries is fundamentally mistaken. About 79% of soybeans produced in the world are destined to feed animals used for human consumption, especially chickens, pigs and fish raised in factory farms, whose production on industrial scale presents devastating socio-environmental impacts. In addition of feeding off each other, these two industries, bring the entire destructive agribusiness chain in tow: pesticide and fertiliser companies that poison food, soil, and water; GMOs and monopoly of seeds by large corporations; large manufacturers of rural machinery and equipment; commodity distributors and exporters, and finally the meat processors that slaughter billions of animals and routinely violate human and environmental rights.
The production of these commodities is currently dominated by a small number of corporations that control all stages of the production chain through vertical integration systems, generating immense concentration and financialization of the food system. With the help of governments, through subsidies and public financing such as the BNDES National Champions Programme, companies such as JBS and BRF, carried out successive mergers and incorporations, generating economic dependence on producers, who were left with few sales partners and no much room for negotiation. On the one hand, corporations dictate prices, while on the other, they impose abusive contracts which transfer to producers the environmental responsibility for externalities.
Livestock also consumes 73% of the world’s antimicrobials, given to animals raised in confinement which is causing an epidemic of antibiotic resistance. With this, in one hand, animal agriculture decreases the effectiveness of essential medicines for human populations, while on the other, the confinement of animals increases the risk of zoonotic diseases by intensifying the contact between farmed animals, wild animals and people, as it advances into the forest, creating new routes of disease transmission.
Meanwhile, direct emissions from the agricultural sector represent 28% of Brazil’s total greenhouse gas emissions. When numbers from other sectors which are part of the agribusiness chain are added up, it then accounts for 72% of emissions in the country. Deforestation in the Amazon, on the other hand, continues to lead emissions related to land use change, which represents 44% of total emissions. Despite the National Policy on Climate Change, instituted in 2009, mandating an 80% reduction in deforestation in the Amazon by 2020, emissions from this sector have grown by 64% in the last decade, driven precisely by the advance of agricultural frontiers over the forest.
Food systems are, therefore, central to the discussion about the preservation of the Amazon and consequently the maintenance of the global climate balance. Our dishes are the starting point of the agricultural frontiers now advancing over the forest, threatening to cause the sky to fall again. Keeping it under our heads means limiting heating to 1.5°C above pre-industrial temperatures and requires not only reducing future emissions but also removing carbon already accumulated in the atmosphere.
The most efficient strategy to achieve this is the preservation and restoration of native forests. Considering that more than 60% of the deforested area of the Amazon is used for grazing, the transition from industrial scale livestock and feedstock production to a fair, regenerative agroforestry production of plant foods for direct human consumption, presents a horizon of hope . As Brazilian scholar, Luiz Marques affirmed: “we either abandon meat or we abandon hope”.
Abandoning meat, declaring a moratorium and a peak for its production, means the possibility of radically transforming the rural landscape and land use, freeing part of the lands now used by livestock and feedstock production for the restoration of forests, reversing deforestation, returning the habitat of several species at risk of extinction, respecting indigenous territories, and meeting climate goals. It means moving from a logic of scarcity to a logic of abundance, returning complexity to agri-food systems, diversifying food production, recovering ancient food cultures, guaranteeing food security and sovereignty, creating fair and sustainable employment and income opportunities for the most systematically oppressed communities and promoting eating habits that preserve the life, home and health of people, animals and the planet.
Without the need to raise and feed billions of farmed animals for consumption, we could also increase the amount of calories available for human consumption produced on existing agricultural land, turning food back into a common good to aid the fight against hunger, which once again haunts millions of Brazilians. We could perhaps, following another indigenous leader, Ailton Krenak, tell other stories to “postpone the end of the world”, which since 2020 seems to be precipitated by the convergence and synergy between climate emergence, the sanitary pandemic and political pandemonium Brazil is currently going through, three structural and existential crises that reinforce each other, and which bear a direct relation to the human-animal relationship.
This dialogue will bring together activists, scientists, artists, economists, thinkers, researchers, farmers, community leaders, political representatives, agents of technology and agroecology, to discuss how a paradigm shift in our agri-food system can help hold the sky above our heads and postpone the end of the world.
We will discuss the paths for a transition to an agrifood system that favours the maintenance of life, human and non-human, based on the concept of multispecies justice, which challenges anthropocentrism and human exceptionalism, and invites us to imagine ways in which we can access and take into consideration the interests of animals and nature when seeking social and environmental justice.
We will reflect together on how to mobilize rural producers who are now part of the destruction chains of livestock industry to be the agents of forest restoration and the fair transition towards plant-based agri-food systems which are healthy, sustainable and fair for all.
In other words, how to create the structural and cultural conditions so farmers can and want to abandon meat and soy production and transition their farms to produce plant foods for human consumption through regenerative practices?
Together we will seek to answer questions such as: if livestock on an industrial scale and monoculture of grains for animal feed are the main vectors of destruction in the Amazon, what would be the vectors for its recovery? What experiences can serve as a reference and horizon? What kind of rural transition model can we build in the Global South that can radiate from the center of the world (Amazon) to all corners of the planet? Which food production practices of indigenous and traditional peoples can inform or inspire this transition model? What kind of imagination and political will is needed to enable such a transition? What kind of food, fiscal, tax, agrarian, financial public policies can favor such an agri-food economy? How can we guarantee fair and sustainable income and jobs for all communities and workers who today depend economically on agribusiness and would be affected by such a transition? How can small farmers producing food of plant origin through regenerative practices be considered the national champions instead of the large corporations which explore nature, humans and animals? What kind of science, technologies and innovations can assist in the establishment of an agri-food system focused on people and not products, on collective good living and not on individual profit?
If cattle and soy are, in this context, technologies of death, what kind of technologies of life can we help to proliferate to face them? What alliances do we need to forge between human and non-human communities, between ancestral technologies and modern technologies, between Western science and traditional knowledge to promote a just agrifood transition starting in the Amazon that does not leave anyone behind?